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A FRAGILIDADE DO CAPITALISMO É A FRAGILIDADE DA VIDA

Eduardo Perez
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A FRAGILIDADE DO CAPITALISMO É A FRAGILIDADE DA VIDA

O capitalismo não é frágil porque não pode ficar parado sob pena de colapso. A vida é que demanda movimento, e somente o trabalho gera bens e circulação de riquezas.



“Ain, se o capitalismo não consegue ficar duas semana parado é porque precisamos de um novo sistema”.


Quem diz isso terá como tendência a propor, claro, o comunismo ou suas infindáveis variantes, cujos nomes mudam apenas para disfarçar o mesmo conteúdo.


Deixando de lado as complexas teorias, como o liberalismo, o laissez-faire, para entender o básico basta dizer que o capitalismo vive do trabalho.


Por quê? Porque vive de distribuição e consumo de bens e serviços de acordo com a oferta e a demanda.


Vamos voltar ao básico?


O período Paleolítico, que durou de 2.5 milhões de anos até cerca de 12 mil anos atrás, viu surgir um mamífero curioso, o antepassado da humanidade. Esse homem posteriormente começou a viver em grupos como caçador-coletor, ou seja, vivia da caça de animais selvagens e da coleta, ou recoleta, de plantas encontradas na natureza.


“Ain, éramos caçadores, vivíamos livres”. Sem entrar também nos detalhes hobbesianos do contrato social, não, você não era o poderoso leão da savana, porque 80% da comida do grupo era obtida pela coleta, e não pela caça. Ou seja, passávamos o dia com fome procurando o que pegar no meio do mato, fugindo de predadores e vivendo como nômades, já que dependíamos da sazonalidade daquilo que encontrávamos na natureza.


Mas há pouco mais de 12 mil anos veio a revolução neolítica ou revolução agrícola, quando o ser humano passou a entender a natureza e controlá-la em alguma medida, podendo abandonar seu estilo nômade para adotar um sedentário. Com isso, surgiram as cidades, pudemos nos abrigar dos predadores, aumentamos nossos números, passamos a cuidar uns dos outros, a ter tempo para desenvolver novas técnicas etc etc etc. até o netflix.


E qual a razão dessa aulinha de história?


Simples. Hoje só uma parcela da humanidade cultiva comida. O resto trabalha em outras atividades dentro da sociedade capitalista que oferece bens e serviços. Alguns são enfermeiros, outros são músicos. Alguns são pedreiros, outros são estilistas.


E quem vive “na roça”? Quem vive na roça não tem sábado, domingo ou feriado. Se perder a época do plantio, se deu mal. Se não alimentar as galinhas, os porcos, as vacas, se deu mal. Se não colher a plantação no tempo certo, se deu mal.


Isso acontece porque sem trabalho não há produção de riqueza. Se nossos antepassados tivessem optado por ficar de pés pro alto e só ir atrás de comida quando tivessem fome, hoje ainda estaríamos pegando piolho das cabeças uns dos outros.


Foi o aprendizado de como a natureza funciona que permitiu seu controle moderado de forma a não mais se depender totalmente do acaso, e sim plantar aquilo que se deseja e domesticar os animais que tão raramente se conseguia caçar.


Só que isso demanda uma coisa básica que até no catecismo a gente aprende: trabalho. Sem trabalho, nada se gera.


O capitalismo é o sistema que melhor reconhece como a natureza funciona, em que pese a necessidade constante de observação e ajuste do seu cerne, a humanidade.


E o sistema capitalista admite que é o trabalho que gera e circula riqueza, mesmo diante dos abusos “rentistas”.


Dizer que é uma falha o capitalismo poder colapsar diante de uma súbita parada de produção de bens e circulação de riquezas é desconhecer a história e a própria realidade.


Nada na Natureza (Physis) pára. Você está vivo porque seu corpo trabalha. Tudo, absolutamente tudo está em movimento.


Um sistema, qualquer sistema, colapsa exatamente porque ele pára. Lugares incapazes de sustentar vida, ou ao menos vida em abundância, são inóspitos: desertos e geleiras não são convidativos.


Nossa base de produção de riquezas ainda está vinculada às nossas necessidades fisiológicas mais básicas: precisamos comer, precisamos beber água e precisamos ir ao banheiro.


Você pode ser o intelectual mais tirador de onda, com um milhão de seguidores, fumando cachimbo e de meias coloridas no seu terno caríssimo, falando sobre desigualdade social e divisão de rendas para seu séquito, que ainda assim vai ter que mandar pra dentro aquele arroz com feijão.


O restaurante chique e caríssimo que congrega esses intelectuais e sua corte descolada servem pratos cuja matéria-prima dependeu de um agricultor ou pecuarista acordar cedo todo dia para trabalhar.


E esse produto teve escoamento graças a caminhoneiros que os levaram por estradas asfaltadas todos os dias. Tudo isso dependeu das atividades de mineração e extração de petróleo, bem como de operários de siderurgia e outras atividades que trabalharam muitas vezes… todos os dias.


A divulgação de mensagens “hiper afinadas com o zeitgeist” contra o capitalismo pela internet dependeu de tudo isso e mais um pouco, inclusive dos trabalhadores das empresas que fornecem eletricidade. Adivinhe quais dias eles tiveram que operar para que o serviço não fosse interrompido? Isso mesmo, todos eles.


Será que aqueles que dizem que o capitalismo “não resiste a duas semanas parado” estão preparados para ficar sem geladeira, luz, e, terror, internet? E os hospitais, conseguem? Sem combustível para as ambulâncias, viaturas policiais e veículos que transportam bens essenciais?


A resposta é sempre não, porque as necessidades só acabam quando o corpo morre. 


Nenhum ser humano, por mais rico ou sofisticado que seja, pode parar de comer e beber, se abrigar do frio e fugir do calor extremo. Nenhum. E é por isso que o capitalismo espelha com maior precisão a natureza ao suprir necessidades humanas de acordo com a oferta e a demanda, e pelo mesmo motivo não pode parar.


O problema é que quem formula as teses de que o capitalismo é frágil por não suportar uma quarentena vive no mundo mágico da geração espontânea de produtos. Alguns talvez nunca tenham visto uma vaca na vida, que dirá imaginar o labor estafante e diário de um agricultor ou pecuarista.


Para minha honra, tenho o prazer de lidar com vários na minha função de juiz do interior do coração do Brasil. E nunca vejo demérito quando comparecem às audiências com roupas puídas ou marcadas da lida que, provavelmente, acabaram de deixar para atender a um compromisso “na cidade”. Assim como o terno é meu uniforme, a roupa de labuta é o dos homens e mulheres do campo.


Curiosamente, os que criticam o capitalismo são os que menos entendem a importância do trabalho e da geração e circulação de riquezas, especialmente por aqueles que atuam na base e fazem o sistema funcionar, talvez porque desconheçam o que é o labor real para além do romantismo da ficção marxista que repetem como panaceia universal dos “males sociais”.


Talvez pelo mesmo motivo de não entender como funciona o mundo e mesmo assim tente mudá-lo os adeptos do comunismo tenham sido responsáveis por grandes episódios de fome, como o Holodomor, de Stálin, o do Khmer Vermelho, de Pol Pot, e a Grande Fome Chinesa (1958-1961), da República Popular da China, de Mao.


É uma pena que ninguém lembre desses fatos históricos, e de muitos outros, quando se dispõe a narrar as belezas do comunismo/socialismo.


Não se está a dizer que nos regimes comunistas/socialistas não se trabalhe. Trabalha-se, e muito, em um regime de subserviência forçada imposto pelo estado, que decide para onde você vai, o que você vai fazer e que o espoliará do produto do seu labor. Prova da inviabilidade desse tipo de regime foi o processo de perseguição, prisão e morte dos kulaks, fazendeiros russos, por Stálin, substituindo-os por pessoas que não tinha a menor ideia de como produzir comida, resultando em grande fome ao povo soviético e ao episódio do mencionado Holodomor.  


Uma pandemia é um episódio natural, como seria um maremoto, um terremoto ou uma nova era do gelo. Nenhum sistema está preparado para enfrentar grandes catástrofes globais, mas alguns são bem mais maleáveis para se adaptar do que outros.


Estados que pretendem controlar e comandar todos os aspectos econômicos, crentes que são capazes de resolver qualquer dilema, tendem a ter uma capacidade bem reduzida para solucionar problemas não previstos, ou seja, como a imprevisão é a regra na economia, o controle estatal total nunca dará certo.


Por outro lado, o laissez-faire do liberalismo absoluto tende ao retorno a um estado de natureza, só que nesse caso o mais forte ainda será protegido pelo estado. Isso significa que sem um mínimo de controle haverá exploração dos que possuem menor poderio pelos que possuem maior poderio econômico/político.


A solução intermediária é a que normalmente ocorre, uma intervenção estatal mínima. No caso de um evento da natureza das proporções da pandemia de coronavirus, é impossível querer que o estado se mantenha à margem, até porque a razão de sua existência é viabilizar uma vida segura para os seus cidadãos.


Em um momento como esse, medidas excepcionais que não se mostrem ditatoriais ou arbitrárias, e de caráter temporário, devem objetivar proteger a manutenção da sociedade e a vida dos seus cidadãos tanto quanto for possível fazê-lo em face do desafio imposto pela natureza. Isso significa dizer que perdas, embora não aceitáveis, são inevitáveis.


Aos que detêm maior poderio econômico, e por poderio estamos falando de dezenas ou centenas de milhões, e não milhares de reais, é natural que sejam chamados para contribuir nesse momento de algum modo para atender ao interesse social. E se não for pelo interesse social, que seja pelo egoísmo, porque a ninguém que possui riquezas, que dirá muitas riquezas, interessa a falência da sociedade e um retorno ao estado da natureza ou lei do mais forte pela violência.


O capitalismo, em suas várias facetas, possui aspectos positivos e negativos, e não é porque se mostra frágil diante de um evento de grandes proporções que se torna viável a proposta comunista/socialista, tendo em vista que a fragilidade desse sistema que melhor espelha a realidade é a mesma de qualquer elemento da natureza, e substitui-lo por uma artificialidade ditatorial é o pior dos mundos. 


Ajustes devem ser feitos, chamadas ao dever daqueles que se beneficiaram e se beneficiam, e muito, do sistema também, até para evitar o colapso real da base que mantém tudo funcionando. Esse texto é só uma reflexão e está longe de abordar o tema com a profundidade necessária em toda sua extensão. É um convite a pensar o mundo dentro do mundo.


A alternativa é a recessão, a dor e o caos. A vaquinha está passando aperto. A escolha dos titulares do poder é permitir leite e queijo para muitos por muito tempo, ou churrasco para poucos uma única vez.