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A violência e o outro

Eduardo Perez
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A violência e o outro

A ideia de uma sociedade mais pacífica passa pelo conhecimento do outro.


Não existe quem no Brasil não tenha sido alvo da violência. Se não de forma direta, das ameaças armadas e do derramamento de sangue, o foi de maneira indireta, pela corrupção, pela poluição, pela manipulação do mercado de consumo.


Quiçá essa bestialidade indireta que afeta a coletividade indistintamente seja a forma mais intensa de brutalidade, porque seus efeitos são amplos, imprevisíveis e de longa duração. Que o diga a Terra de Santa Cruz, há mais de quinhentos anos afundada num lamaçal de venalidade e de interesses públicos loteados como bens particulares.


Nesses crimes de abrangência coletiva, em alguns casos chamados mui oportunamente de crimes de colarinho branco, seus agentes são habitualmente pessoas de bom nível socioeconômico, raramente identificados com a figura do bandido do imaginário popular.


De fato, enquanto aquele que pratica um roubo aponta a arma para a cabeça da vítima, o corrupto e o corruptor apontam uma arma na cabeça de toda a sociedade, sustentando-se em sua situação de poder graças à uma complexa Síndrome de Estocolmo.


Essa distância entre o algoz e a vítima e a posição de autoridade do primeiro tornam mais fácil a prática do ilícito. Prova disso é o Experimento Milgram, de 1963, e suas variações (1974), que demonstram o condicionamento à obediência da autoridade e a maior facilidade de infligir dor no outro quando ele não é visto ou conhecido.


Nessa linha, o ato violento passa pela ideia de que o interesse do agente criminoso sempre prevalece sobre o de suas vítimas. O crime se torna mais fácil quando a vítima não é vista como alguém, e sim como uma coisa, um obstáculo para ser ultrapassado ou um objeto a ser possuído.


Assim, não há objeção de consciência, ficando o criminoso contido apenas pelo receio da reprovação, que poderá vir, por exemplo, na forma de sanção moral da sociedade ou da pena estatal. Ora, na ausência de punição surge a sensação de impunidade, e sem a consequência para o ato praticado aquele que carece de contornos éticos sente-se livre para satisfazer suas mais baixas inclinações.


Crescemos numa sociedade que estimula o terem detrimento do ser,valendo como cartão de apresentação a marca da roupa, do relógio, as fotos da viagem nas redes sociais, o carro que se dirige. Só se pode ser alguém se você for algo: o emprego que titulariza, a influência que possui.


Numa sociedade onde tudo é pesado e rotulado, é natural que as pessoas passem a fazer isso com o próximo, que o marido pense que é dono de sua esposa, que o motorista do carro considere que a rua é sua e os outros o atrapalham, que o cara na festa cogite que a menina com a roupa mais provocante veio assim só para “agradá-lo”.


Uma sociedade mais pacífica passa necessariamente pelo senso de comunidade, pela ideia de admitir o outro como um igual. Conhecer o outro exige vê-lo como uma criatura independente, com sonhos, com desejos, com sentimentos e projetos.


A sobreposição do interesse individual sobre o coletivo, a dificuldade de inserir-se num contexto social, é uma das causas mais evidentes, embora pouco observada, da bestialidade crescente no Brasil.


O coletivo e o individual caminham juntos, indissociáveis: a sociedade estruturada existe para permitir que cada um expresse sua individualidade, e essa possibilidade de expressar-se só é possível porque existe uma sociedade estruturada. Fora de um Estado Democrático de Direito vigora apenas a força e o medo.


É por isso que certos países reconhecem o direito à felicidade individual vinculado à ideia de coletividade, como a Constituição do Japão, que em seu art. 13 menciona o direito das pessoas serem respeitadas como indivíduos e o de buscar a felicidade, desde que não conflite com o bem comum.


Em suma, enquanto a individualidade exacerbada e o direito individual forem exercidos sem a consciência de coletividade, a violência tende a aumentar em todos os níveis e graus, pois não seremos uma comunidade, mas só um agrupamento de indivíduos.