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CYBERGARANTISMO 2020: APOCALIPSE

Eduardo Perez
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Crônicas

CYBERGARANTISMO 2020: APOCALIPSE

Em um país muito, muito distante, a lei não obedece à lógica.

Fevereiro de 2020. Em um país hipotético sem qualquer relação com fatos reais.



Gleycinho do Amor, 19, é preso em flagrante após estuprar, roubar e matar Antonina da Silva, 28, atendente de telemarketing, que estava acompanhada de seus dois filhos que a tudo assistiram. A cena toda é filmada por câmeras de comércios e condomínios da região.


Imediatamente Gleycinho é levado à Delegacia de Polícia, na qual é submetido a exame médico para verificar se não foi vítima de violência policial.


Em razão do elevado número de crimes e do diminuto aparato policial, o flagrante só é informado pelo delegado ao juiz de garantias 25h depois da prisão. 


Gleycinho é levado ao fórum, onde é atendido por uma equipe multidisciplinar de assistentes sociais e psicólogos que verificam suas vulnerabilidade sociais e suas necessidades, providenciando alimentação, roupa e calçado e lavrando laudo técnico para o juiz ponderar sobre a liberdade do detido.


O juiz de garantias responsável pelo rodízio, que acumula, além dessa função, mais duas comarcas,  nas quais responde pelas competências de família e sucessões, infância e juventude, fazenda pública, cível, juizado especial cível e criminal, crime, execução penal, execução fiscal, extrajudicial e eleitoral, encontra-se numa cidade a 120 km de distância, atendendo uma medida de abrigamento de criança em situação de risco e violência doméstica e dois pedidos de saúde urgentes, um para medicação de câncer negado pelo SUS e outro de internação em UTI, além de outros pedidos e audiências.


Ao tomar conhecimento da prisão, larga tudo, pega o seu carro e dirige mais de 100 km até a outra cidade, dada a proibição de audiência de custódia por videoconferência, de forma que só consegue realizar o ato 28h depois da prisão de Glaycinho, que aguarda sua chegada alimentado e protegido.


Durante a audiência, verifica-se que Gleycinho possui diversas passagens policiais, incluindo roubo e latrocínio, mas responde aos processos em liberdade com o uso de tornozeleira eletrônica. Gleycinho chora, alegando de forma genérica que foi espancado pelos policiais, embora o laudo médico informe que esteja com saúde perfeita e não tenha nenhuma lesão externa ou interna. Apesar da prisão em flagrante e das filmagens, a defesa alega o princípio da inocência, a truculência policial e pede que o réu responda em liberdade.


A prisão é mantida, considerando a gravidade do delito.


Um dia depois, Gleycinho do Amor é libertado por força de habeas corpus em razão da realização da audiência de custódia após o prazo legal de 24h de sua prisão.


O juiz e o delegado são denunciados às suas respectivas corregedorias e responderão a ação penal como criminosos com base na Lei de Abuso de Autoridade


O corpo de Antonina permanece no Instituto Médico Legal e seus filhos aguardam a chegada do pai, que é motorista de caminhão e estava a dois estados de distância quando recebeu a notícia. Nenhuma das crianças recebeu ainda atendimento médico, psicológico ou de assistência social.


Em razão da demora, o paciente que precisava de UTI morreu antes da decisão judicial ser proferida.