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PARA O CORINGA TODO JUIZ É O BATMAN

Eduardo Perez
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PARA O CORINGA TODO JUIZ É O BATMAN

O Judiciário combate o crime quando é independente e imparcial na aplicação da lei, mas para os criminosos convém dizer que esse combate sempre será desleal.


Quando se fala que o Judiciário combate o crime, a turma pró-criminosos e alguns iludidos que estão praticando a virtude já tratam de criar o argumento espantalho de um juiz vestido de Batman perseguindo bandidos. Esse raciocínio tem a firmeza de um macarrão cozido enfiado na areia. Vem comigo para eu mostrar a razão.


Vamos começar do princípio com a ideia de causa e consequência no âmbito social de forma bastante resumida. No estado de natureza você é tão livre quanto é forte, logo, os mais fortes são mais livres porque vale a matsya nyaya, a lei dos peixes da tradição hindu: o peixe maior come o menor.


Fazendo uma síntese bem apertada do que é o contrato social em Hobbes, Locke e Rousseau, nos unimos em sociedade para que não precisemos mais temer uns aos outros e passemos a regular nossa conduta com base em leis que nos tragam tranquilidade para prever o dia de amanhã, ou seja, que não serei espoliado dos meus bens, agredido ou morto a qualquer momento. Por isso países mais ordeiros tendem a ser mais avançados social e tecnologicamente: ninguém vive preocupado em quando vai tomar um golpe ou pensando em como vai praticar o próximo golpe, como acontece em Pindorama.


Além das leis temos também um sistema moral. Às vezes confluem, às vezes não. Então, por exemplo, é imoral praticar sexo com crianças, mas também ilegal. Por outro lado, é imoral viver na devassidão, mas se todos forem maiores e capazes, ninguém vai prendê-lo por isso. De todo modo, ainda haverá uma mácula social em alguns lugares e grupos.


A terceira lei de Newton, a de ação e reação, e a hermética lei da causa e efeito possuem, mutatis mutandis, a sua aplicação no âmbito social. A dizer: tudo o que se faz em sociedade tem uma consequência. Se eu minto para um amigo e ele descobre, a consequência pode ser o fim da amizade. Se eu pratico um roubo e sou pego, a consequência será minha condenação criminal, além de possível efeito moral, que no Brasil, contudo, não parece existir, pois cá não há a reprovabilidade moral por condutas socialmente nocivas. Pelo contrário, há uma celebração do crime e do criminoso. O único delito moral (e às vezes criminal, como temos visto) real em Pindorama é o de cunho ideológico.


Dito isso, vamos pensar juntos: se não houvesse Judiciário, logo, se não houvesse um poder responsável por aplicar a lei e não houvesse uma consequência para condutas legalmente reprováveis, seria bom para o honesto ou para o criminoso? Parece bastante claro que para o criminoso seria ótimo se não houvesse consequência nociva para sua conduta, podendo agir livremente.


Agora imaginemos que exista o Judiciário, mas o juiz não pode aplicar a lei, porque perseguido ou ameaçado, ou deixa de aplicá-la para condenar criminosos, porque é vendido ou foi cooptado ideologicamente acreditando que o criminoso é vítima da sociedade. Isso seria bom para o honesto ou para o criminoso? Mais uma vez é irrefutável que para o criminoso seria ótimo se, existindo Judiciário, os juízes não os condenassem por medo, ideologia ou corrupção. Para o honesto mais uma vez seria péssimo, porque não teria amparo.


O que é ruim para o criminoso, então? A existência de um Judiciário formado por juízes independentes e imparciais que apliquem a lei de forma adequada, sem medo, sem cooptação ideológica e sem corrupção. Nessa situação aquele que comete um crime sabe que será condenado pela existência de provas.


A alternativa para o criminoso nesses casos é a busca de artifícios legais, como, por exemplo, a postergação do processo até obter a prescrição ou garantir a nulidade de atos e provas, o que pode acontecer quando há a própria cooptação do Judiciário, se não do Legislativo na elaboração de normas que “enfraqueçam o combate ao crime”, o que é um eufemismo para dizer que essas leis favorecem o criminoso.


Logo, a existência de um Judiciário independente e imparcial na aplicação da lei não só condenará aqueles que comprovadamente praticaram condutas criminosas, e corrupção é um dos piores crimes, embora moralmente aceito por parcela da sociedade, como também desestimulará outros de praticarem essa conduta. Esse é o aspecto pedagógico externo da atuação judicial, aquele que ensina que praticar o crime levará à condenação, o conhecido “crime não compensa”.


Esse é um consenso mundial que serve inclusive para a ONU, mas em Pindorama é classificado como punitivismo praticado por um Judiciário elitista, parcial e perseguidor, quando a verdade é justamente o oposto. Um sistema leniente, corrupto, ideologicamente parcial e lento, estimula o crime porque não traz consequência para o criminoso.


O Judiciário combate a corrupção fazendo o que tem que fazer: aplicar a lei de forma imparcial e rápida, sem que essa rapidez viole o contraditório e a ampla defesa. Já dizia Rui Barbosa que “justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada”.


Aqueles que dizem que o juiz que combate o crime é o Batman, como se ele vestisse uma capa e saísse procurando provas para condenar, ou são ignorantes e não entenderam ou, pior, entenderam muito bem e criam esse espantalho para perpetuar a impunidade. Ao Coringa interessa estar livre para semear o caos e praticar seus crimes, e para conseguir isso basta dizer que o juiz é o Batman, seu pior inimigo, sem isenção para julgá-lo por conta de alguns roubos a banco e não mais que algumas dezenas de chacinas.


Quando o Judiciário faz o seu trabalho de forma célere, quando aplica a lei de forma imparcial, sem subterfúgios, sem teorias alienígenas deturpadas, sem teses de algibeiras sacadas de forma inesperada como um segundo zap do truco, ele combate a corrupção. Tanto é verdade que os corruptos tentam de todas as formas atacar a independência dos juízes, diminuir sua força. Aconteceu assim na Operação Mãos Limpas na Itália, e parece que em um outro país ai a coisa é, e será, ainda pior.


Juízes honestos e incorruptíveis são perseguidos, atacados publicamente, denunciados sem fundamento nas corregedorias, ameaçados, assim como seus familiares, enfim, de toda maneira os criminosos e quem os apóia tentam atacá-lo e infernizar sua vida. Por quê? Porque é claro que um magistrado desse nível aplicará a lei, e assim agindo ele combaterá o crime.


“O juiz não combate o crime, o juiz aplica a lei”. Justamente. Ao aplicar a lei o Judiciário frustra os planos dos bandidos e ainda mostra a todos que o crime não compensa.

É fácil de entender: o criminoso nunca irá responder por seus crimes, não terá uma crise inesperada de consciência e nem uma revelação espiritual. Para ele, quanto menos amarras tiver para agir e quanto mais amarras o sistema tiver, dificultando ou impossibilitando a tarefa de conter a criminalidade, melhor.


Não sei quanto a você, leitor, mas eu prefiro estar ao lado de Newton do que do Coringa.